O fotógrafo que morreu de infarto
dentro de um ônibus na zona sul do Rio de Janeiro era reconhecido pelas belas
imagens de natureza, mas vinha trabalhando num tema social. Algo sobre a
couraça que o ser humano está criando pra se defender. Uma proteção, uma
espécie de pele de rinoceronte.
Quando passou mal dentro do
transporte público o fotógrafo quebrou o padrão de inércia daquela gente. Todos
pararam o que estavam fazendo, esqueceram celular, namorada, chefe babaca, esqueceram de si mesmos e olharam pro lado. Naquele
instante nosso fotógrafo era o próprio estudo de seu tema, material de seu
trabalho. As cenas de dentro do ônibus mostram um senhor sendo socorrido no
chão gelado. Gravadas de um celular, as imagens percorreram o
mundo em segundos. Conteúdo baixado e compartilhado com a força de uma manada.
Não sei dos rinocerontes, mas ainda
nos chocamos e nos mobilizamos com histórias como essa. Parece que tragédias nos
unem. Parece que encaramos o fato de que somos vulneráveis e tudo pode acabar
numa fração de segundo. Todas essas preocupações terrestres podem morrer ali,
numa terça à tarde. Aí nada mais faz sentido (ou tudo faz!). Parece que
precisamos de tragédias para evoluir como espécie.
O fotógrafo, de 62 anos, acabou
morrendo. Parece que foi pela demora no atendimento. Parece que um rinoceronte da
porta do hospital não ajudou no socorro. Parece que tinha chegado a hora dele. Parece
que alguns semelhantes se sensibilizaram provando existir sentimento sob a dura
couraça. Parece que há esperança.
PS: Os rinocerontes estão em
perigo de extinção, Motivo: a caça por conta do alto valor dos chifres de poder
curativo. Um mercado que mata milhares e rende milhões. Os seres humanos também estão com os dias
contados. Motivo: não pensar na manada.